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A Ineficácia da ISO TS 16.949 no Setor Automotivo!

Publicada em 2015-11-12



Este artigo não trata de uma opinião sobre a ISO TS 16.949, mas sim de fatos que comprovam como a abordagem desta norma precisa ser totalmente revista para que traga resultados para o setor automotivo, ou cada vez mais ela terá menos organizações certificadas, mesmo que as montadoras continuem forçando a barra para que os fornecedores da cadeia automotiva a adotem como modelo de sistema de gestão da qualidade.

Como evidência da ineficácia da norma, basta por exemplo acessar o link abaixo e verificar que se considerarmos todas as montadoras, os casos de recall atingem uma média superior a um caso por semana, provocando enormes prejuízos para montadoras, fornecedores e compradores. Vale ressaltar que situações de recall são geralmente problemas que causam mau funcionamento do veículo ou possibilidades de afetar a segurança dos usuários, porém há ainda vários tipos de reclamações formais e informais que não são divulgadas e quantificadas, que devem elevar significativamente os problemas de qualidade em veículos.

Link de Recall de Veículos no Brasil: http://www.estadao.com.br/jornal-do-carro/servicos/recall/ 

Um dos problemas da aplicação dos requisitos da ISO TS 16.949 é que diferentemente da ISO 9001, independentemente do produto que a organização ofereça, seja por exemplo um simples componente plástico, estampado, usinado etc; ou a complexidade de um motor, sistema de transmissão, sistema de freios etc; para uma organização se certificar na ISO TS 16.949 ela necessita aplicar todos os requisitos e ferramentas exigidas pela norma, além dos requisitos específicos de cada cliente.

O fato de haver na ISO TS 16.949 a exigência de se atender requisitos específicos dos clientes, demonstra um contrassenso em relação à finalidade de uma norma de sistema de gestão, que é o de padronizar os requisitos e não prescrever em como atendê-los. Os requisitos específicos de clientes, salvo raras exceções, são os mesmos requisitos que já constam da ISO TS 16.949, porém com formas de atendimento diferentes, como por exemplo reclamações de clientes, onde cada empresa tem um formulário ou método diferente. Ao invés de se preocupar com o preenchimento do formulário específico no caso de uma reclamação, o cliente deveria avaliar se a causa foi bem identificada, se foram tomadas ações corretivas para eliminá-la e se foram eficazes, já que a causa do problema não vai mudar em função do formulário ou método que será preenchido. Um fornecedor de uma organização que é certificada na ISO TS 16.949, já tem um processo de ações corretivas próprio, uma vez que precisa ser certificado na ISO 9001.

As principais deficiências da ISO TS 16.949 e que a tornam ineficaz, são:

  • Burocratização, provocada principalmente pelos Requisitos Específicos dos Clientes; e
  • Uso inapropriado e indiscriminado de Ferramentas, como: FMEA, Plano de Controle, PPAP e MSA

 

1.      Burocratização e Requisitos Específicos dos Clientes

Podemos afirmar que já está incorporado no setor automotivo, uma cultura da exigência de apresentação de documentos e preenchimento de formulários específicos de cada Cliente em várias situações, como: desenvolvimento de produtos e processos, reclamações, alterações de produtos e processos e outras, onde obriga o fornecedor em situações semelhantes a adotar modos diferentes de tratar para cada Cliente, o que na prática não melhora a qualidade nem o resultado daquela atividade  e aumenta custos, pois é gasto muito mais tempo para se cumprir o requisito e atender o que podemos tratar em boa parte como “mimos” do cliente, que deveria se preocupar mais com os resultados e não com o formulário que deve ser preenchido.

Este tipo de abordagem infelizmente tem causada a impressão de que o setor automotivo é exigente, quando na prática está se tornando cada vez mais burocrático. Parece que há uma concorrência das empresas do setor automotivo para ver quem é mais “exigente”, ou seja, burocrático.

Estas exigências, vem através de manuais de fornecedores e outros que tratam de requisitos específicos para fornecedores, ou seja, é uma norma dentro de outra norma.

Não há uma consciência de muitos profissionais da qualidade do setor automotivo de que não precisam ter manuais de fornecedores, pois a ISO TS 16949 não exige, porém como são cobrados de seus clientes, acabam criando seus manuais e exigindo o cumprimento pelos seus fornecedores sem a preocupação de que só estarão agregando custos, pois os fornecedores terão que analisar e em geral buscar cumprir do “jeitinho” que está no manual, pois se o fornecedor for certificado na ISO TS 16.949 os Organismos Certificadores vão auditar se a organização cumpre tais requisitos.

Vamos imaginar uma organização certificada na ISO TS 16.949 que tenha 10 Clientes com requisitos específicos, ou seja ela terá que cumprir além dos requisitos da ISO TS 16.949, mais 10 outras normas que exigem as mesmas coisas, porém com formatos e/ou parâmetros diferentes. É muita criatividade e falta de “desconfiômetro” uma organização achar que suas exigências são tão ou mais importantes quanto as que já estão na ISO TS 16.949 e na ISO 9001, que é a base da ISO TS 16949. Se realmente houver necessidade de fazer alguma exigência muito específica sobre seus produtos, basta inclui-la em contrato e não no sistema de gestão da qualidade.

Muitas destas exigências são criadas, mas não há uma avaliação se estão trazendo resultados para a organização, uma vez que geram custos adicionais tanto para a organização que exige, como para o fornecedor que precisa cumpri-las. Para a organização que exige porque precisa verificar se o que ela exige está sendo cumprido, muitas vezes através de auditorias, visitas, relatórios, acompanhamento das ações etc; e para o fornecedor, porque precisa analisar tudo que é exigido e implantar. Como essas exigências, muitas vezes não foram discutidas no início de fornecimento de produtos, tais custos não foram incluídos nas cotações dos produtos.

Outro absurdo, são alguns requisitos como QSB, Auditorias de Processos, algumas exigências de qualificações  e outros requisitos só poderem ser aceitos em auditorias, se o fornecedor utilizou determinadas consultorias ou determinados treinamentos de consultorias específicas, como se estivéssemos tratando de métodos que reflitam “o estado da arte” em termos de técnicas e qualificação, além de passar uma visão que poderíamos chamar de “esquisita” de dependência e falta de flexibilidade para atendimento a requisitos de práticas que na maioria não são complexas de implementar e já constam na ISO TS 16.949. É como se o governo abrisse um processo de licitação, sem especificar os requisitos para as organizações concorrentes atenderem e ainda determinasse quais as organizações que podem concorrer para executar os serviços.  Uma maneira simples de avaliar a ineficácia dessas exigências seria por exemplos: verificar se fornecedores que implantam o QSB não possuem reclamações de clientes; ou se o fato de fazer determinados tipos de treinamentos com determinadas consultorias, tornam essas atividades infalíveis sobre o ponto de vista de aplicação prática e resultados.

 

2.      Uso inapropriado e indiscriminado de Ferramentas, como: FMEA, Plano de Controle, PPAP e MSA

Vamos começar abordando como determinadas ferramentas são mal aplicadas no setor automotivo, começando pela FMEA – Failure Mode and Effect Analysis, cujo desenvolvimento e aplicação inicial surgiu na área militar e posteriormente pela NASA, Indústria da Aeronáutica nos anos 60 e posteriormente em outros setores. Creio que podemos considerar que na Indústria Aeronáutica tem resultados, pois se considerarmos os índices de confiabilidade de aviões, são incomparavelmente superiores aos de veículos, basta observarmos os dados de recall, mencionados anteriormente.

É claro que projetar um avião e fabricá-lo, é um processo que leva tempo e as consequências de problemas podem ser catastróficas, portanto a análise de falhas potenciais deve ser minuciosa e criteriosa; daí uma das características diferentes do setor automotivo, onde se exige FMEA desde matérias primas e componentes, até sistemas  como  motor, transmissão, freios etc.

O FMEA é uma ferramenta complexa, que está inter-relacionada com outras ferramentas, como plano de controle, fluxo de processo, CEP etc, entretanto aplica-la em muitas situações, é como se tivéssemos utilizando um canhão para matarmos um pernilongo, pois o custo é muito alto e ineficaz. Outra premissa da aplicação de FMEA é que seja realizado por uma equipe multifuncional com especialistas de várias áreas no produto e processos em questão, o que em geral não acontece na prática.

Vamos supor um fornecedor do mercado automotivo de peças injetadas de um determinado tipo de produto, por exemplo o recipiente de armazenamento de água para o limpador de vidros de veículos; qual a utilidade do FMEA para um tipo de produto como esse, cujas matérias primas, processos, tipos de ferramentas e parâmetros de fabricação são conhecidos e dominados pelo fornecedor? O método de FMEA, depois que forem feitos os FMEA’s por família vai ser o famoso “copiar e colar”, ou seja a ferramenta não terá utilidade alguma como prevenção de problemas. Desta forma, o FMEA acaba virando uma burocracia, uma formalidade que precisa ser atendida para a ISO TS 16.949, porém sem resultados práticos. O próprio processo de desenvolvimento de produtos e processos já é preventivo, pois há produção de amostras e lotes pilotos que são inspecionados e testados antes da fase efetiva de produção, onde ações preventivas podem ser tomadas.

Na verdade, não estão sendo feitos FMEA’s para produtos novos, pois os produtos são do mesmo tipo, já que utilizam o mesmo conceito de projeto e processo, porém com dimensões e algumas especificações diferentes, mas dominadas pelo fornecedor.

O MSA – Measurement Systems Analysis, é outra ferramenta mal aplicada, pois trata-se de fazer estudos estatísticos em sistemas de medição, cuja aplicação mais adequada seria para empresas que fabricam dispositivos e equipamentos de medição e não para uma indústria de fabricação de produtos. Na ISO 9001, que faz parte da ISO TS 16.949 há o requisito de calibração de equipamentos e dispositivos de medição, que já é suficiente para atender as necessidades de uma indústria no sentido de dar confiabilidade aos resultados de inspeções e ensaios, principalmente se complementarmos com outro requisito também da ISO 9001, que o pessoal deve ser competente para executar as atividades que afetam os requisitos do produto, entre essas atividades podemos considerar a medição de produtos. A aplicação de algumas técnicas de MSA, poderia se dar em situações muito particulares, como por exemplos diferenças entre meios de medição entre o cliente e o fornecedor de determinada característica, critérios de aceitação em defeitos visuais (cor, acabamento etc) ou ainda se a organização desenvolveu algum dispositivo de medição diferente para controle de alguma característica do produto ou processo. Hoje, as organizações em geral, tem no mínimo um profissional em tempo integral ou parcial dedicado a fazer e as vezes refazer desnecessariamente, análises estatísticas de sistemas de medição para todas as características dos planos de controle e em todos os produtos “novos”. Vamos lembrar que paquímetros tem suas aplicações específicas, durômetros são para medir dureza, micrômetros para medir como exemplo diâmetros e assim por diante; e as empresas que desenvolveram estes equipamentos já fizeram vários estudos e fazem quando da calibração para garantirem sua confiabilidade. Raramente uma organização muda seu sistema de medição em função dos resultados dos estudos requeridos no MSA, a não ser que seja em situações bem específicas, como as mencionadas anteriormente. Resumindo o custo dos estudos de MSA é muito maior que os benefícios para as empresas certificadas na ISO TS 16.949.

Plano de Controle é uma ferramenta usada em mais de 99% dos casos no formato requerido pela norma, apenas na apresentação do PPAP, já que na fábrica, no recebimento, nos laboratórios internos etc, são usados outros documentos que especificam como e quando o produto é inspecionado, ensaiado e testado. O plano de controle enviado com o PPAP é uma repetição do que já está escrito nos documentos que são utilizados na prática, porém em outros formatos, portanto um custo adicional.

PPAP – Production Part Approval Process: na prática é uma formalização de 18 itens documentados que precisam ser entregues ao cliente quando da aprovação de um item novo ou alteração de itens existentes, porém o que ocorre com esta documentação na prática na grande maioria dos casos é: apenas conferência para verificar se todos os documentos previstos estão entregues, sem uma avaliação profunda do conteúdo e da consistência, tanto que é objeto de auditorias de certificação, mesmo se estiver aprovado pelo cliente; duplicidade de documentos sendo preparados pelo fornecedor, pois por exemplos os planos de controle e fluxos de processos usados internamente são em geral formatos diferentes; alguns documentos e registros não tem utilidade efetiva ou são um “copiar e colar”, como FMEA’s, Estudos de MSA, Estudos de Capabilidade e outros; sem contar os custos de organizar e entregar todas esta documentação que acaba sendo também objeto de auditorias e consequentemente de não conformidades, acarretando em mais custos para a organização.

 

Em síntese, o que poderia ser modificado na ISO TS 16.949, considerando a necessidade de adequação à versão da ISO 9001:2015:

 

Requisitos Específicos dos Clientes: eliminar este requisito, pois requisito específico deve estar em contrato e fazer parte do processo dos custos para cotação dos produtos. A ISO 9001 e a ISO TS 16.949 já possuem requisitos suficientes para os fornecedores atenderem as necessidades dos clientes; e ter requisitos específicos, é criar uma norma dentro de outra norma.

FMEA: deveria ser requerido apenas para sistemas e subsistemas fornecidos diretamente às montadoras, ou em situações específicas onde os conceitos do projeto e/ou do processo são alterados significativamente, lembrando que a ISO 9001:2015 incluiu análise de riscos nos processos, sem especificar a metodologia a ser usada.

Plano de Controle: poderia ser eliminado como requisito, pois na ISO 9001:2015 já é estabelecido que a organização deve determinar e aplicar os critérios e métodos (incluindo monitoramento, medições e indicadores de desempenho relacionados) necessários para assegurar a operação e controle eficazes desses processos.

Estudos de MSA: deveria ser eliminado como requisito e ter uma nota relacionado com o item 7.1.5 Recursos de Monitoramento e Medição da ISO 9001:2015, mencionando o manual de referência de MSA especificando em quais situações poderiam ser realizados estudos com base no manual. Exemplos: sistemas de medição diferentes da mesma característica em operações/ etapas diferentes; critérios de aceitações para inspeções visuais: acabamento, aparência etc; e desenvolvimento de dispositivos de medição específicos para um produto ou processo.

PPAP: se limitar aos documentos relacionados com as especificações do produto (desenhos, normas etc) e resultados de inspeção, ensaios e testes do produto/processo novo ou alterado; eliminando a acesso do cliente a documentos que especificam como o produto é fabricado, controlado etc, até porque estas informações devem ser tratadas como confidenciais.

Vamos considerar estas mudanças um sonho que aconteceu e imaginar quanto de custos e tempo iríamos reduzir, considerando a quantidade de documentos inúteis a menos para serem elaborados, reuniões, visitas, auditorias, treinamentos, não conformidades e outros custos que seriam eliminados ou reduzidos. Imaginando ainda o impacto da extensão dessas mudanças considerando a quantidade de produtos, fornecedores e profissionais envolvidos em todo setor automotivo, provavelmente teríamos os Engenheiros, Técnicos, Analistas e outros profissionais envolvidos com a ISO TS 16.949, ao invés de ficarem produzindo documentos e relatórios muitos deles inúteis, poderiam dar foco efetivamente no desenvolvimento, na melhoria da qualidade e aumento da produtividade dos produtos e processos do setor automotivo; e quem sabe reduzir significativamente o índice de recall.

Mesmo que alguns itens sejam difíceis de serem alterados, pois estão sob a diretriz do IATF – International Automotive Task Force, se as organizações brasileiras eliminassem os requisitos específicos para seus fornecedores, já teríamos uma redução significativa da burocracia e de custos.

 

Por: Araújo, Manoel Maurício de Souza – Diretor Técnico da ACT Consultoria & Treinamento

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Fonte: ACT Consultoria & Treinamento