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Crise do Brasil é uma grande oportunidade

Publicada em 2016-05-13



A implosão política no Brasil pode ser uma ducha de água fria para os investidores estrangeiros, mas, na realidade, essa crise vai facilitar a tão necessária ruptura da combinação tóxica de gastos em demasia e expansão excessiva do crédito por parte do governo vista nos últimos anos.

Tendo feito parte no passado do grupo dos países do Bric, que impulsionavam o crescimento global, o Brasil se tornou um retardatário, caindo profundamente em recessão, a sua pior desde os anos 80. A taxa de desemprego é a mais alta desde 2009. Até o fim de 2015, a inflação subiu para 10,7%, ante 4,92% registrada em meados de 2012; o rendimento dos títulos de dívida do governo chegou a 16%, em comparação a menos de 9% em 2012; e o real registrou uma drástica desvalorização desde 2011.

Os problemas do Brasil não podem simplesmente ser atribuídos à queda nos preços das commodities. Em vez disso, eles são amplamente resultado de uma política econômica pobre e excessivamente pró-cíclica.

Os financiamentos concedidos diretamente pelo governo foram excessivos, com o crédito subsidiado pelo Estado inundando o setor privado e dominando totalmente a expansão do crédito líquido no país desde o fim de 2011 até o fim de 2015. A política do banco central também focou demais no afrouxamento monetário.

A taxa de juros de referência ajustada pela inflação do banco central atingiu o nível mínimo de apenas 1% em 2013. A prudência no âmbito fiscal do período anterior, que viu a proporção da dívida do Brasil em relação ao produto interno bruto cair de 79% em 2002 para 61% em 2011, foi abandonada. E desde 2011 uma nova dívida equivalente a 10% do PIB foi acumulada, com poucas justificativas para isso.

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Michael Hasenstab PHOTO: BARRON

A situação parece sombria, mas as estatísticas não contam a história completa. A crise apresenta uma oportunidade para promover duras reformas que podem pavimentar o caminho para a volta da saúde econômica. O retorno para uma política monetária e fiscal mais responsável pode permitir que o Brasil atinja o seu enorme potencial. Por trás de políticas melhores, nós vimos e continuamos a ver uma oportunidade atraente no longo prazo em títulos de dívida em moeda local, que têm se destacado como um dos ativos com melhor desempenho em todos os mercados emergentes este ano.

Antes do estouro da crise no ano passado, nós gostávamos dos títulos locais atrelados à inflação, mas depois que o câmbio implodiu e os rendimentos foram para as alturas, fizemos investimentos consideráveis em títulos de renda fixa em moeda local no início de outubro. Nós vimos a crise como algo que pode forçar mudanças na política do governo, que agora se expandiu para uma mudança no governo.

Se evidências são necessárias de que uma ação drástica pode tirar um país da beira do abismo, basta olhar para a Irlanda. Em 2011, o consenso era que a Irlanda estava insolvente. Os rendimentos dos títulos de dívida soberana da Irlanda estavam nas alturas, refletindo um medo real de que o país iria falir.

Os mercados estavam errados. O governo entendeu que a recuperação era possível por meio de medidas duras para reduzir o déficit — implementando a chamada consolidação fiscal, mantendo os impostos baixos para atrair futuro investimento estrangeiro direto, apesar da pressão de muitos outros países europeus para fazer o oposto, e oferecendo flexibilidade ao mercado de trabalho para facilitar um movimento temporário de queda no salário real, algo necessário para retomar a competitividade nas exportações e alimentar novamente o crescimento. As políticas foram dolorosas no curto prazo, mas elas permitiram que os fortes fundamentos da Irlanda brilhassem no longo prazo. As taxas de crescimento da Irlanda são hoje novamente uma das mais altas da Europa. Os empregos estão crescendo, as exportações estão registrando uma explosão e grandes volumes de investimento estrangeiro estão chegando ao país.

Nem de longe este é um exemplo isolado. Considere a Hungria. Na época da crise na zona do euro, o país estava à beira da insolvência, levando as agências de classificação de risco de crédito a rebaixar sua dívida para o nível “junk”, de altíssimo risco. O governo tomou decisões impopulares que demonstraram exatamente a abordagem correta para dar sustentação à economia e estimular o crescimento. As políticas variaram desde forçar os bancos a assumirem parte dos custos dos imprudentes financiamentos imobiliários em francos suíços até a reformulação do modelo de seguro-desemprego e da racionalização dos ultrapassados sistemas de transporte, saúde e educação, datados da era soviética.

As mudanças valeram a pena. Hoje, a Hungria se juntou à Irlanda como uma das economias mais vibrantes da União Europeia, com os rendimentos dos títulos de dívida em menos de 5% e o câmbio estável.

Embora o Brasil tenha seus próprios desafios, como Irlanda e Hungria, nós podemos ver um caminho para a recuperação de sua saúde econômica.

Se o Brasil aceitar a dor no curto prazo para colher os benefícios no longo prazo, há boas razões para acreditar que ele também vai se recuperar. Ao longo dos próximos cinco anos, o país deve ser capaz de perceber seu verdadeiro potencial como uma das economias mais ricas do mundo em recursos naturais se o banco central mantiver uma posição suficientemente forte para virar o jogo com relação à inflação e o governo voltar a registrar superávit fiscal primário. Essas políticas também vão permitir que a crescente classe média do Brasil ressurja como um elemento condutor essencial para o crescimento da demanda do consumidor.

O Brasil pode manter o curso enquanto essas políticas são implementadas? Eu acredito que sim. O Brasil está sentado sobre níveis elevados de reservas estrangeiras — equivalentes a mais de um ano de importações — e embora a proporção entre a dívida e o PIB tenha crescido, ela é ainda menor do que a de muitos países do Ocidente, tendo ficado em 70% ao fim de 2015. Mais de 90% dessa dívida é mantida em moeda local, então o real desvalorizado não a faz crescer.

Além disso, o investimento estrangeiro direto no Brasil continua resiliente, representando 4,2% do PIB, mais do que o suficiente para compensar o déficit em conta corrente de 3,3%. Enquanto sua dívida for administrável, os bancos do Brasil estão relativamente bem capitalizados, e passaram pelos testes de estresse, o que significa que o país tem tempo a seu favor.

Embora as recentes políticas do governo tenham sido desastrosas, as coisas estão mudando. O que é encorajador, é que o freio já foi aplicado à irresponsabilidade do passado na condução do orçamento e há um consenso político crescente de que uma consolidação fiscal severa é necessária para que se possa virar a mesa.

O banco central também adotou iniciativas para recuperar credibilidade e começar a ancorar as expectativas de inflação. Os juros foram elevados de 7,25%, taxa excessivamente baixa, para 14,25%, patamar mais apropriado. Uma recessão arquitetada por técnicos, embora dolorosa, foi o único meio para prevenir que uma inflação descontrolada acabasse causando um grande aumento da pobreza e instabilidade social. Essa vigilância deve continuar.

Se enfrentada de forma decisiva, uma crise pode ser o catalisador necessário para uma mudança positiva. Temos confiança de que o Brasil vai prosperar de novo se ele não voltar a adotar as políticas malsucedidas do passado e, em vez disso, tomar novas e duras decisões, necessárias para o retorno a uma situação fiscal e monetária saudável.

Que nós aqui nos EUA também não ignoremos as lições do Brasil — uma política monetária excessivamente afrouxada e gastos excessivos vão apenas produzir um boom no curto prazo, com consequências desastrosas no longo prazo.

—Michael Hasenstab é diretor de investimentos da Templeton Global Macro, unidade da Franklin Templeton Investments.


Fonte: Wall Street Journal