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Brasil - O alcance do novo regime automotivo.

Publicada em 2012-10-09



A exigência de aumentar em 12% a eficiência dos motores de automóveis, até 2017, foi recebida com relativa tranquilidade pelas empresas do setor; e é uma medida na direção certa, a de cobrar das montadoras e revendedores investimentos para aproximar a qualidade dos carros vendidos no País ao padrão dos mercados desenvolvidos. O otimismo que temperou as declarações de ministros no anúncio do novo regime automotivo não afasta, porém, algumas dúvidas sobre o alcance do programa, batizado como Inovar Auto.

Segundo um alto executivo de montadora com tradição no mercado brasileiro, está claro para as empresas que quem não se esforçar para atender às exigências do governo por menor consumo e emissões de CO2, mesmo após 2017, vai encarar algum aumento de imposto. O esforço para atrelar ao novo regime incentivos à melhoria dos automóveis vendidos no País é um avanço digno de inspirar os futuros programas em outros setores.

Duvidoso é que, como previram os ministros, as empresas invistam pesado para ir além dos índices mínimos e busquem a meta de 18% de aumento da eficiência dos motores, em troca do incentivo de dois pontos percentuais a menos no IPI. Mais incerto ainda é o sonho das autoridades de ver a redução do IPI repassada aos preços dos automóveis nas revendedoras.

É incerta a promessa de repassar queda do IPI ao varejo

O governo confia que os prometidos US$ 22 bilhões em investimentos privados no setor aumentarão a competição entre as empresas e forçarão para baixo o preço dos automóveis. Não é o que se vê nos novos lançamentos de carros populares, que chegam ao mercado com preços em torno de US$ 12 mil, valor de um carro médio no exterior. O mais provável é que as empresas usem a vantagem tributária para compensar os maiores custos gerados com as novas regras.

Que há um viés protecionista na medida não há dúvida: a ideia, proclamada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, é aumentar a geração de empregos no País; o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, comentou que gostaria de ver o Brasil sair do sétimo para o quarto lugar no ranking dos grandes produtores de automóveis, posição que ocupa como mercado para o setor automobilístico, só atrás dos EUA, Japão e China.

Houve um esforço de inteligência para desenhar um programa capaz de passar pelo crivo liberal da Organização Mundial do Comércio. Mas nem o mais sofisticado dos regimes ganharia facilmente sinal verde na OMC mantendo, como esse mantém, uma tributação interna diferenciada para carros com maior ou menor conteúdo de peças nacionais.

O aumento de 30 pontos percentuais do IPI para carros importados, estabelecido em 2011 para durar um ano, foi prorrogado, com as sofisticações do Inovar Auto, até 2017. Os fabricantes e revendedores podem reduzir e até eliminar o imposto a pagar, descontando dele o valor gasto com peças e partes compradas no Brasil e sócios do Mercosul. É uma prática comum no mundo o incentivo ao conteúdo nacional, ou regional; mas é pecado condenável, no sistema mundial de comércio, diferenciar, na tributação interna, entre produtos nacionais e os que vêm de fora. Pelo consenso na OMC, uma vez pago o imposto de importação, todos devem ser iguais perante a lei; não cabe discriminação entre local e estrangeiro.

O governo tem técnicos inteligentes e experientes; sabem que essa discriminação é problemática. Mas também sabem que, mais importante que a criatividade na cobrança do IPI, o trunfo do Brasil, nas futuras brigas no sistema multilateral de comércio, será o empenho já feito em aplacar as empresas que poderiam cobrar de seus governos um caso contra o Inovar Auto na OMC. Praticamente todos os grandes atores no mercado ganharam algum agrado; até fabricantes de carros de luxo receberam cotas para acomodar vendas. Essas cotas, por exemplo, talvez, acalmem os ingleses, que andaram perdendo a fleuma por causa do IPI mais alto.

Haverá discursos e broncas em Genebra; afinal, está em jogo uma questão de princípio. O governo brasileiro conta com as empresas com quem negociou o novo regime - sobretudo americanas, europeias, coreanas e japonesas - para bloquear qualquer tentativa mais exaltada de levar o Brasil a julgamento na OMC. Houve um esforço legítimo para vestir o novo regime com o figurino da modernização e incorporação de tecnologia. O esforço já constava das versões iniciais do Inovar Auto, em abril, e antecedeu em meses as últimas queixas das delegações em Genebra contra o protecionismo brasileiro.

O que veio após as manifestações de Genebra foi a definição das cotas para importação sem IPI adicional, concedidas até a montadoras sem intenção de abrir fábricas no Brasil. Na avaliação da equipe econômica, essas concessões mostram a intenção brasileira de evitar prejudicados, enquanto o País tenta extrair benefícios de uma de suas indústrias mais dinâmicas, com elos na cadeia de produção que incluem desde as indústrias de aço, vidro e plásticos à eletrônica mais sofisticada.

"O governo já adotou a linguagem para a defesa na OMC: estímulo à inovação e defesa do meio ambiente são exceções aceitas nas regras de liberalização do comércio", analisa o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.

O fato é que o governo assistia com pavor estímulos ao consumo interno vazarem fronteiras. Até estimularam a criação de empregos, mas no México, na China, na Alemanha. A exigência de maior conteúdo nacional se opõe ao aumento de quase 5% na importação de peças e partes automotivas, entre janeiro e agosto: nesse período, a importação desses produtos, vindos da Coreia, cresceu 77%; a originada no México, 60%; do Japão, 15%; e do Chile, 12%, França, 3%. A Alemanha reduziu em 17% as vendas de partes e peças, mas aumentou em 33% as vendas de partes de motores.

Esse é outro desafio imposto às montadoras: encontrar alternativas no Mercosul aos fornecedores mais baratos de outros países.


Fonte: Valor Econômico