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A política industrial para o setor automobilístico.

Publicada em 2013-07-05



As investidas de países desenvolvidos - EUA, Japão e União Europeia - acusando o Brasil na OMC de que medidas do governo estariam beneficiando a industria nacional, em detrimento dos competidores estrangeiros, têm sido noticiadas. Ao mesmo tempo foi divulgada a notícia que mais uma empresa, a saudita Amsia Motors planeja instalar-se em Sergipe.
As ações do governo são taxadas de protecionistas e a política industrial considerada discriminatória. Entre os setores envolvidos está o automobilístico, apesar do fato de todas as montadoras estabelecidas no Brasil serem subsidiárias de empresas estrangeiras oriundas dos EUA, Japão e UE principalmente. Neste caso, o protesto se refere à isenção de IPI que, de medida temporária, estaria se tornando permanente. O governo brasileiro reagiu com argumentos relacionados ao programa Inovar-Auto que, a princípio, visa apoiar o desenvolvimento tecnológico, eficiência energética e qualidade de veículos e autopeças. Na prática, o compromisso é passar de seis para oito o numero de etapas realizadas localmente e adensar as cadeias produtivas. Duas consequências se evidenciam: a) as montadoras vão usufruir de mais benefícios fiscais, como crédito presumido do IPI para a importação de veículos; b) dada a fragilidade do setor de autopeças local, o adensamento da cadeia produtiva será feito com a entrada de novas empresas multinacionais. Em outras palavras, vai ser reforçado o modelo do país como plataforma de montagem de veículos, num momento em que a indústria automobilística vivencia profundas mudanças tecnológicas.

Para avançar na cadeia produtiva seria necessário contar com empresas locais fortes e institutos de pesquisa

Deve-se então perguntar se as políticas anunciadas contribuem para a competitividade do país, melhorando o seu posicionamento nas cadeias globais de valor ou apenas garantem a geração de empregos e arrecadação de impostos que, no caso de veículos, pode chegar a 49% do preço de venda. Para avançar na cadeia produtiva seria necessário contar com um parque produtivo formado não apenas por empresas subsidiárias de empresas multinacionais, como também de empresas locais fortes e uma rede de institutos de pesquisa voltado a tecnologias de ponta, como ocorreu na Coreia e está ocorrendo em outros países emergentes, como China e Índia. Um breve olhar para a história de Brasil e da China auxilia a compreender porque chegamos à situação atual.

Na década de 50, o governo JK lançou o Plano de Metas, considerando a indústria automobilística como uma das indústrias chave do projeto de industrialização, baseada no modelo tripartite: as empresas estatais ficariam responsáveis pela construção da infraestrutura, as empresas multinacionais pela produção de automóveis e as empresas nacionais pela produção de autopeças. Sete empresas multinacionais começaram a operar no Brasil, duas joint ventures e duas de capital nacional: Vemag e a estatal FNM. A Vemag foi vendida à Volkswagen e a FNM faliu. Duas outras empresas brasileiras não tiveram sucesso: a Romi (com a Romi-Isetta) e a Gurgel Motores.

Na década de 80, a chamada década perdida, a indústria automotiva brasileira entrou num período de estagnação, mas o parque de empresas de autopeças parecia estar consolidado. O Brasil dos anos 90 assistiu a abertura comercial, as privatizações e reestruturações do setor produtivo. Na automobilística, os investimentos vieram de novas empresas estrangeiras. Nesse momento, a indústria de autopeças não mostrou capacidade de absorção e investimento para competir em uma escala global e empresas 'ícones' como a Metal Leve e Varga foram vendidas. Restaram poucas empresas de porte internacional - a Sabó, é uma das raras exceções.

Em 2011 a indústria brasileira fechou o ano com a capacidade instalada de 4,3 milhões de veículos, 20 montadoras multinacionais e 500 empresas de autopeças. Em relação ao ano 2000, a capacidade de produção dobrou, mas o volume de exportação (que é comandado pelas matrizes das montadoras no estrangeiro) permaneceu o mesmo. Atualmente 13% da produção é exportada, basicamente para Argentina e México, países com os quais o Brasil tem acordos comerciais. E, entre as montadoras aqui instaladas, já encontramos montadoras chinesas como Chery e JAC. Outras estão a caminho.

Nos anos 50, a China recebia auxílio da União Soviética para a produção de veículos pesados e carros oficiais. Em 1956 a indústria automotiva chinesa contava com 104 plantas, entre montadoras, fabricantes de motores e empresas de autopeças. Durante o período de reformas liderado por Deng Xiaoping, essa indústria ganhou importância estratégica e o governo começou a encorajar a formação de joint ventures com empresas estrangeiras para absorção de tecnologia.

Ao se preparar para entrar na OMC, o governo chinês constatou que os produtos das três principais joint ventures eram caros e ultrapassados. A alternativa foi formar novas joint ventures, com maior exigência de transferência de tecnologia, investimento local em P&D e introdução de modelos de ponta. Empresas independentes foram criadas e reconhecidas pelo governo como Chery, Geely e BYD. Em 2012 a produção atingiu 19,3 milhões de unidades, sendo 80,5% carros de passeio dos quais 40% são marcas chinesas.

A comparação entre os dois países mostra como a conjugação de políticas industriais, com a existência ou não de empreendedores locais dispostos a investir em capacitação para competir com o capital estrangeiro, produzem resultados diferenciados. Qual o futuro da indústria automobilística brasileira? Instalar novas montadoras, como a Amsia Motors, em um Estado que não conta com fornecedores locais, sem infraestrutura, contando com a importação de peças chinesas é uma solução no mínimo discutível.

Por: *Afonso Fleury é professor da Poli/ USP e Maria Tereza Leme Fleury é professora e diretora da FGV/EAESP


Fonte: Valor