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Para presidente da GM, dilema do Brasil é um "acaso infeliz".
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Duas fábricas da General Motors estavam paradas no dia em que Jaime Ardila, presidente da companhia no Brasil e na América do Sul recebeu a reportagem do Valor. A falta de peças provocada por protestos de caminhoneiros havia interrompido a produção em Gravataí (RS) e São Caetano do Sul (SP), as maiores unidades da GM, terceira maior montadora no Brasil e segunda no mundo. Ardila, economista colombiano no comando da operação sul-americana desde 2007, lamenta ver a economia do país enfrentar "a infeliz coincidência" de tudo acontecendo ao mesmo tempo.
"Saímos de uma situação que prevaleceu ao longo de uma década, de crescimento econômico, pleno emprego, baixa inflação, moeda forte, superávit na balança comercial e estabilidade política e social. E em questão de semanas, passamos para baixo crescimento econômico, preocupação em relação ao emprego, câmbio debilitado, perda de confiança, déficit na balança e alta inflação. É a tempestade perfeita."
Para Ardila, o governo brasileiro perdeu a grande chance de fazer o ajuste fiscal em 2008 ou 2009, quando "a situação era boa". Mas, agora, diante das demandas provocadas pelas manifestações, esse tipo de ação fica mais complicado. E num momento em que o consumo deixa de ser o motor da economia, os investimentos privados tendem a ser adiados.
Apesar de prever um período de transição difícil, o executivo não acredita, no entanto, que o país possa representar um risco para os investimentos de longo prazo. "Não acho também que o governo vai ameaçar a estabilidade econômica do país", diz. Essa posição inclui eventuais incertezas em relação às próximas eleições presidenciais: "Todos os investidores de longo prazo consideram o Brasil um país estável, independentemente de quem esteja governando."
A GM está prestes a anunciar um novo programa de investimentos para a subsidiária brasileira, inaugurada há 88 anos e que vendeu em 2012 quase 650 mil automóveis. Esperava-se que o anúncio fosse feito logo no início do ano, uma vez que o último plano foi concluído no ano passado. Entre 2008 e 2012, a GM investiu no Brasil R$ 1,2 bilhão, em média, por ano. Os recursos se concentraram na renovação de toda a linha de produtos, expansão da capacidade e construção de uma fábrica de motores em Joinville.
Mas Ardila diz que não tem pressa: "Estamos avaliando projetos e vamos levar um tempinho fazendo isso antes de fazer o anúncio. Mas se você me perguntar: "pararam de trabalhar por causa da atual situação econômica?" Não. A GM não tem planos de adiar investimentos, ou mudar sua posição em relação ao país, por conta do que está acontecendo hoje", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual é a sua avaliação do atual cenário econômico brasileiro? Quais problemas mais preocupam grandes empresas como a GM?
Jaime Ardila: Há uma mistura de fatores externos e internos. Mas é uma infeliz coincidência que chegaram todos juntos. Em relação aos fatores externos, a recuperação da economia americana levou o Fed a anunciar que vai começar a tirar os estímulos monetários, o que cria expectativa de aumento de taxas de juros nos Estados Unidos. Isso faz com que o câmbio comece a flutuar e o dólar comece a se fortalecer contra praticamente todas as moedas. Além disso, a China tem dado sinais claros de desaceleração, parcialmente provocada pelas próprias autoridades monetárias e fiscais. Mas há muita dificuldade para gerenciar. Recentemente uma decisão do Banco Central da China de não intervir em uma situação em que os bancos não estavam emprestando entre eles quase provocou uma situação de pânico financeiro parecido com a dos Estados Unidos em 2008. Internamente, os problemas do Brasil têm a ver com a perda de confiança dos investidores num momento em que o consumo não pode mais ser o motor da economia. Tradicionalmente, o consumo tem sido o motor da economia brasileira e nós todos temos nos beneficiado dessa situação. O consumo, que representa dois terços do PIB, não pode mais ser esse motor, porque os consumidores estão endividados. Os juros já não caem mais, a renda das famílias já não aumenta no ritmo anterior e a inflação começa a provocar impactos no orçamento das famílias, que têm que dispor de mais dinheiro para comprar os produtos básicos, cujos preços estão subindo.
Valor: O governo não tem dado indicações de ajuste fiscal. Isso não complica o cenário?
Ardila: É que ajustar as despesas no momento em que demandas sociais acontecem é extremamente difícil. O tempo bom para ter feito isso já passou. Quando o país estava com alta na confiança e pleno emprego era o momento de reduzir as despesas fiscais para abrir espaço maior para o investimento privado e para atender às demandas da população em relação à melhora dos serviços públicos de saúde, educação etc. Isso não significa que o ajuste fiscal não será feito. Acho que vão ter que fazer. Mas estabelecer as prioridades será uma questão mais complexa, porque há, agora, uma nova situação econômica, uma situação social e uma situação política no Congresso. O governo não tem a flexibilidade que tinha em 2008 ou 2009. Os protestos sociais são apenas o reflexo da situação que comprometerá uma parte alta do orçamento. É como a tempestade perfeita, na expressão que o general no comando da primeira invasão americana no Iraque usou, em 1991.
Valor: E essa falta de flexibilidade agora tende a dificultar a retomada do crescimento econômico?
Ardila: Quando falamos que a situação fiscal piorou não significa que temos um déficit grande. Ainda temos um superávit primário razoável. O Banco Central tem muitas reservas, tem muita munição para controlar isso. Até estou surpreso de ver o Banco Central ter permitido até hoje uma desvalorização do real tão rápida, justamente por ter muita munição para controlar. Talvez eles, que conhecem a situação muito melhor, achem que não é o momento de fazer uma intervenção radical, porque o fortalecimento do dólar é um fenômeno global.
Valor: O desempenho das vendas da indústria automobilística ainda é positivo. Essa indústria, que sustenta sua atividade no mercado interno, ainda não sofreu com a atual retração da demanda?
Ardila: Nossa indústria é baseada na confiança do consumidor, nas condições de crédito e na situação econômica geral. Isso significa que nossa indústria já está impactada. Os números de vendas ainda não refletem isso, porque as vendas diretas para frotas corporativas e para governos se mantiveram fortes em junho e o mercado em geral ainda foi relativamente bom. Mas as concessionárias já começam a reportar um menor fluxo nas lojas, não só porque os consumidores estão perdendo confiança, mas porque eles nem conseguiram ir às lojas. Em dias de protestos sociais, as revendas passaram de três a quatro horas fechadas. Vendemos relativamente bem nos fins de semana porque havia menos protestos.
"Não pedem a derrocada do governo. Pedem melhores serviços públicos. O que pode ser mais razoável?"
Valor: E qual será o comportamento das empresas diante desse cenário na programação de novos investimentos no país?
Ardila: Como o consumo não pode mais ser o motor da economia, só fica o gasto governamental e o investimento. Os investimentos privados poderão ser adiados, porque não existe um nível de confiança como existia antes e o investimento do governo está atrapalhado num posição fiscal que já não é tão favorável. Em muitos casos, os investidores privados acham que a taxa de retorno, especialmente em infraestrutura, é insuficiente para compensar o risco.
Valor: A indústria automobilística sempre apontou a estabilidade econômica, a situação política controlada e o ambiente social sem distúrbios como fatores que tornavam o Brasil um país atraente para investimentos. Mas sabemos que, ao mesmo tempo, essas mesmas empresas também investem em países onde há conflitos. O novo cenário altera a análise que esse setor fazia sobre o país?
Ardila: Esses fatores sempre foram importantes, e eu não acho que vão mudar muito no futuro. O país está numa transição difícil. Mas não acredito que o Brasil vá virar um país com alta instabilidade política. Não acho também que o governo vai ameaçar a estabilidade econômica. Também não acredito que, no longo prazo, os investidores perderão o interesse pelo país. O que estou dizendo é que temos uma conjuntura, uma transição, extremamente difícil, que complicou uma situação que deveria ser boa. O Brasil deveria estar numa boa situação com o clima de Copa do Mundo no próximo ano, com a Olimpíada no Rio. O ambiente deveria ser muito melhor do que é. Mas isso não significa que não vai melhorar. O Brasil não é a Turquia, não é o Egito. Não está tendo uma Primavera Árabe. O Brasil é um país democrático, com altíssimo grau de consenso social e os motivos dos protestos são muito razoáveis. Não estão pedindo a derrocada do governo. Pedem melhores serviços públicos e melhor educação. O que pode ser mais elementar e razoável do que isso?
Valor: Qual é a sua avaliação em relação à forma de mobilização da população que encheu as ruas do país?
Ardila: Lembre que as grandes transformações sociais sempre foram feitas pela classe média. Não foram os pobres que lideraram a revolução bolchevique, e sim a intelectualidade. Nossos governos, incluindo o Brasil e outros da América Latina, atuaram de maneira muito decisiva para reduzir e eliminar a pobreza. Mas descuidaram da classe média. Em uma democracia, onde as pessoas estão tão bem informadas e onde podem se reunir de maneira tão rápida, através de redes sociais e internet, não se pode descuidar hoje da base da estabilidade social, que é a classe média.
Valor: O sr. diz que trata-se de uma situação conjuntural, sem reflexos nos investimentos de longo prazo. Mas no próximo ano teremos eleições presidenciais e os reflexos do atual cenário já apareceram nas pesquisas de popularidade da presidente Dilma Rousseff. Não fica mais difícil, para uma empresa prestes a definir novos investimentos, como GM, definir esse programa sem uma previsão de como estará o comando do país daqui a dois anos?
Ardila: Aqui é minha opinião pessoal. Se a economia e a situação social não se recuperarem relativamente rápido, muitos dos investimentos anunciados serão adiados. Isso é claro. As pessoas vão esperar para ver como fica a situação antes de fazer investimentos.
"Investidores de longo prazo não veem o Brasil como país de alto risco em função de um candidato ser ou não o preferido"
Valor: Isso inclui a área de concessões?
Ardila: Não vejo assim. Em leilões de petróleo e concessões para obras de infraestrutura, que têm retorno garantido, não devem protelar investimentos. Mas particularmente a indústria em geral, a manufatureira, que investe pensando no longo prazo, tem sempre a possibilidade de adiar um pouco. Não tem pressa, porque não vai, por exemplo, participar de leilão. Porém, só vejo isso no curto prazo. Para o longo prazo, todos os investidores consideram o Brasil um país estável, independentemente de quem esteja governando. Não vejo uma situação que leve investidores de longo prazo a avaliar o Brasil como um país de alto risco em função de um determinado candidato ter ou não a preferência. Sob o ponto de vista da GM e de outros investidores o país é muito interessante e vai continuar sendo. Não vemos uma instabilidade política no longo prazo, que possa nos levar a mudar os planos de investimento.
Valor: Mas a GM concluiu o último programa de investimentos de cinco anos em 2012. Quando será definido o novo plano?
Ardila: Não temos pressa. Estamos avaliando projetos e vamos levar um tempinho fazendo isso. Mas se você me perguntar: pararam de trabalhar por causa da situação? Não. A GM não está com planos de adiar investimentos ou mudar sua posição em relação ao país por conta do que está acontecendo hoje.
Valor: Recentemente a GM anunciou investimento de US$ 450 milhões na Argentina. Ao mesmo tempo, ainda está para ser assinada a renovação do acordo comercial automotivo entre Brasil e Argentina e um dos motivos da demora é o pedido dos argentinos para estimular a produção de veículos com peças locais. A GM tem planos de elevar o índice de nacionalização dos carros fabricados na Argentina?
Ardila: Vamos aumentar o conteúdo local. Mas estamos extremamente preocupados com o fato de o acordo ainda não ter sido negociado. Essa é uma preocupação enorme, porque os investimentos dependem da integração comercial dos dois países. Fazemos os investimentos, na Argentina e no Brasil, assumindo que os dois países vão se manter comercialmente integrados. Se não tiver acordo, lógico, os planos mudam.
Valor: Nos cinco primeiros meses deste ano, o déficit na balança comercial do setor automotivo no Brasil passou de US$ 5 bilhões. Como resolver essa dificuldade de exportar, que se mantém há anos?
Ardila: Vejo que o país não é competitivo para exportar, e que a moeda faz parte desse problema. Mas ninguém ganha com uma desvalorização rápida da moeda, se ela trouxer inflação.
Valor: Os fabricantes de veículos estavam habituados com manifestações trabalhistas, lideradas por sindicatos, um tipo de representação que os organizadores dos recentes protestos rejeitaram. Ainda não se viram metalúrgicos nas ruas, por exemplo. Como o sr. avalia essa nova realidade?
Ardila: Os principais protestos sociais hoje não são sindicais, não são de operários. São de classe média. É o estudante, o médico, o dono do caminhão... São de natureza diferente. Reclamações sindicais são especificas. Negociam as condições de trabalho e as compensações econômicas por um período definido. Nos protestos apareceram interesses diversos. Mas o descontentamento geral leva a que tudo se junte. Os metalúrgicos não foram, porque nossos contratos estão negociados. Eles estão bem, trabalhando e satisfeitos.
Valor: Essas categorias, então, se fecharam em mobilizações em torno dos próprios interesses?
Ardila: Não é que se fecharam. Existe uma elite industrial, de trabalhadores de empresas de alta tecnologia, como é o caso da indústria automobilística, que tem um processo de negociação muito particular. Isso é evidente e sempre foi assim.
Valor: O sr. participou de algum protesto em sua vida?
Ardila: Eu participei de alguns quando era jovem, na Colômbia. Tinha 15 anos. Depois do maio de 68 em Paris, houve atos de solidariedade em todo o mundo. Eu estive nas ruas. Saí depois também, nos tempos de universidade, para reclamar contra Augusto Pinochet na derrubada da Unidade Popular, no Chile.
Valor: Como o sr. analisa o aumento da inflação? Como será controlada? Por meio dos juros?
Ardila: Não tenho dúvida. Não há outra alternativa. O Brasil pode até permitir um crescimento menor e, num momento determinado, uma recessão econômica. O que não pode permitir é a volta a uma situação inflacionária como a do passado. Acho que o governo tem muita clareza sobre isso. Mas para controlar tem que ser uma mistura entre a redução do gasto fiscal e uma elevação dos juros. Um aperto monetário acompanhado de uma redução do gasto público e, na minha avaliação, com controle do câmbio.
Valor: As estimativas de elevação do PIB em 2013 não vão além dos 2,5%. O que o sr. acha desse crescimento?
Ardila: Acho razoável hoje. Mas a situação está mudando todas as semanas. Há um mês, a previsão era de 3%. Daqui para a frente pode haver uma recuperação, ou a situação piorar. Depende do que se faça. Nosso interesse é ajudar a recuperar. É manter uma forte atividade econômica e fortes investimentos para que a economia continue com a boa tendência que traz há dez anos. (Marli Olmos)
Fonte: Valor Econômico
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