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Excesso de capacidade ameaça planos de montadoras no país.

Publicada em 2013-10-09



O lote extra de carros não estava nos planos do concessionário, que decidira por uma encomenda mais enxuta no mês passado. Mas o fabricante ofereceu o triplo do tempo para ele pagar os veículos. Esse revendedor autorizado de uma marca popular aceitou, então, aumentar seu estoque - e consequentemente reduzir o da fábrica. Não tanto pela oferta tentadora do prazo mais longo, mas para livrar-se de futuros conflitos com a montadora.

Pressões para o concessionário levar mais carros do que pediu - ou até modelos menos procurados - é tática antiga na indústria automobilística. Surge quando a demanda começa a cair. Oscilações de mercado são naturais nesse setor. Mas dois fatores indicam a tendência de o encalhe começar a aumentar. O primeiro surgirá em dezembro, quando termina o prazo do IPI reduzido. Depois disso, a guerra entre as marcas tende a aumentar porque todas têm planos para produzir ainda mais no país, seja por meio de novas fábricas ou ampliação das atuais.

Dirigido a fabricantes de autopeças, um trabalho da Roland Berger Strategy Consultants mostra que somente num cenário muito otimista a demanda por veículos será capaz de justificar o aumento da capacidade que hoje se planeja nas linhas de montagem do país. A proposta do trabalho da consultoria é alertar os fornecedores que capacidade maior nas montadoras significa mais pressões de custos e riscos a uma competitividade já comprometida por fatores como entraves logísticos.

As montadoras instaladas atualmente no país têm capacidade para produzir cerca de 4,6 milhões de veículos por ano. A projeção mais recente da Anfavea, a associação que representa o setor, indica que 3,79 milhões de unidades sairão das fábricas em 2013. Se confirmado, esse número vai representar um aumento de 11,9% em comparação com as 3,38 milhões do ano passado.

O estudo da Roland Berger estima que em 2017 o país estará apto a produzir 6,8 milhões de veículos por ano. Num cenário otimista, o mercado interno, principal atrativo dos investimentos das multinacionais desse setor, estará em 5,8 milhões de unidades, 52% acima do volume de 3,8 milhões previsto para este ano. Mas as previsões mais conservadoras da mesma equipe indicam que as vendas internas, em 2017, podem não passar das 4,4 milhões de unidades. Em ambos os cenários projetados, foi previsto o volume de 1,4 milhão de veículos importados e mais 700 mil exportados.

'A utilização da capacidade de produção é alta hoje, mas pode cair para algo em torno de 65%', afirma Stephan Keese, consultor da Roland Berger para a área automotiva na América do Sul. Segundo Keese, a pressão do excesso de capacidade não virá de fábricas como as do trio alemão Audi, Mercedes-Benz e BMW, com planos para empreendimentos pequenos, de não mais do que 30 mil veículos por ano cada um. 'O que mais preocupa é a super capacidade que podem atingir as linhas de carros populares', diz o especialista.

Somados, os novos projetos vão despejar uma capacidade adicional de 1,6 milhão de veículos por ano

Somente a fábrica que a italiana Fiat constrói em Goiana, em Pernambuco, terá capacidade anual para 200 mil veículos. Sem exceção, os novos projetos de produção de veículos no país foram estimulados pelo Inovar-Auto, o programa do governo federal que penaliza as empresas que não atendem a um conteúdo nacional mínimo.

Somados, os novos projetos, incluindo fábricas a serem inauguradas e ampliações de estruturas já existentes, despejarão uma capacidade adicional de 1,6 milhão de veículos por ano. Esse volume é maior do que a frota total que hoje circula em Belo Horizonte ou em Brasília.

'Começamos a entrar numa situação parecida com a de dez anos atrás, quando novas fábricas haviam sido inauguradas, mas a demanda caiu', diz Keese. Para o consultor, o enfraquecimento da economia, aliada à perda de confiança do consumidor, tende a acirrar a guerra de preços entre as marcas.

No mercado externo, a situação também não é animadora. Embora a direção da Anfavea tenha como meta arrancar do governo um compromisso de estímulo às vendas a outros países, poucos esperam incremento significativo nas exportações brasileiras. Para Keese, o setor automotivo tende a continuar refém do mercado argentino porque ainda tem muito a avançar em termos de competitividade.

Excesso de capacidade não chega a ser um problema tão grave sob a ótica do diretor do Centro de Estudos Automotivos (CEA), Luiz Carlos Mello, outro especialista no setor. Para ele, as fábricas de automóveis atualmente são muito flexíveis. Além disso, diz, não há alternativa para os fabricantes de veículos, acuados pelas crises nas regiões mais desenvolvidas, como Europa, e sem ter como expandir nos estagnados mercado desenvolvidos, a não ser correr para os países emergentes.

'E, além do mais, algumas marcas que não conseguiram se projetar em determinados mercados percebem no Brasil e outros países, onde parte da população ainda estreia no consumo de carros, a chance conquistar alguma fatia de vendas', afirma o diretor da CEA.


Fonte: Valor