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A reinvenção das montadoras

Publicada em 2016-09-12



Empresas como GM, Ford, Mercedes-Benz, Volvo e outras gigantes do setor começam a investir em carros compartilhados e autônomos, um mercado que será trilionário em 2030. A questão que elas enfrentam é simples: ou se adaptam ou perdem espaço para os titãs da tecnologia, como Google, Uber e Apple.

Depois de comandar a GM do Brasil por três anos, o economista colombiano Santiago Chamorro deixou o cargo no último 1o de setembro. A saída, no entanto, não quer dizer que o executivo está fora dos planos da montadora americana. Ao contrário. Ele já levou suas malas para Detroit, onde está o quartel-general da terceira maior fabricante de veículos do mundo e dona da marca Chevrolet no Brasil. Direto da “Motor City”, como é conhecida a cidade, Chamorro vai comandar a área global de experiência do consumidor.

Na prática, o futuro da GM passará pelas mãos do executivo, que será responsável pela estratégia de carros autônomos e de veículos compartilhados, um serviço de aluguel no qual os consumidores ficam poucas horas com o automóvel. Ele também gerenciará a parceria da montadora com o aplicativo de caronas Lyft, o principal rival do Uber nos Estados Unidos, no qual a empresa investiu US$ 500 milhões em janeiro deste ano para se tornar uma das maiores acionistas. “A GM está na vanguarda de redefinir o futuro da mobilidade pessoal”, disse Chamorro, em março, durante o lançamento da unidade de negócios Maven, que toca um projeto-piloto de carros compartilhados no Brasil.

“Os novos modelos de uso de automóveis deverão trazer mais mudanças ao setor automotivo nos próximos cinco anos do que nas últimas cinco décadas.” A nova missão de Chamorro é entender o que os consumidores querem. E, por mais contraditório que possa parecer, os projetos que vão sair da área do executivo devem fazê-los comprarem menos carros, até agora o ganha-pão de toda a indústria automobilística. Mas não há, por enquanto, uma alternativa melhor no horizonte às montadoras. Explica-se: pesquisas têm mostrado que os jovens estão cada vez menos interessados nos carros.

De símbolo de status, o veículo tem perdido a preferência como sonho de consumo, deixando de ser um produto e se transformando em um serviço de transporte. Uma pesquisa da empresa Prophet, realizada no Reino Unido, em 2015, revelou que 65% das pessoas entre 18 e 34 anos preferem um smartphone de última geração a um automóvel novo. “Há cinco anos se constata que o interesse pelo carro caiu”, afirma Milad Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria americana Jato Dynamics, especializada no setor automobilístico. “No Brasil, isso já acontece.”

É claro que essa tendência reduzirá o ritmo de crescimento da produção de carros ao redor do mundo. É claro também que os grandes fabricantes estão preocupados com o futuro de seu negócio, o que tem levado a GM, de Chamorro, mas também a americana Ford, a alemã Mercedes-Benz, a sueca Volvo e outros gigantes do setor a se reinventarem, numa das maiores transformações em seus modelos de negócios desde que o mítico empresário Henry Ford criou a linha de produção automatizada, no início do século passado. A tecnologia, com os aplicativos de transporte, tem papel fundamental nessa mudança de paradigma pela qual passa a indústria.

“Há um estado de pânico e as empresas do setor estão realmente preocupadas com seu próprio futuro”, diz Vivek Wadhwa, membro eminente da Singularity University e da Stanford University. “Com os aplicativos de transporte, vamos precisar de menos carros e eles ainda estarão disponíveis sob demanda.” A disputa, no entanto, não se restringe exclusivamente ao grupo tradicional de montadoras. Os gigantes do Vale do Silício, como Apple, Google e o próprio Uber, também querem uma fatia desse mercado no futuro. Todas estão trabalhando em projetos de carros autônomos, que devem representar 15% do mercado de automóveis em 2030.

A ORDEM É COMPARTILHAR Os serviços de carros compartilhados podem ser considerados atualmente um nicho. Ao redor do mundo, e mesmo aqui no Brasil, eles estão restritos a pequenos grupos de pessoas em grandes metrópoles. Mas a tendência é que se transformem em algo grande – muito grande. Uma pesquisa da consultoria americana Mckinsey prevê que os serviços tecnológicos, que incluem compartilhamento e venda de aplicativos para centrais multimídias dos automóveis, serão responsáveis por uma receita de US$ 1,5 trilhão em 2030.

Não é nada não é nada, essa cifra representa 43% do que o setor fatura atualmente. As pessoas não vão deixar de comprar carros novos. Mas o ritmo de crescimento vai desacelerar, segundo a McKinsey, de 3,6% nos últimos cinco anos, para 2%, em 2030. Mais: um de cada 10 veículos vendidos será compartilhado daqui a 14 anos e 30% da quilometragem percorrida acontecerá em um automóvel que será dividido com outra pessoa. “Em média, o consumidor troca o carro a cada três anos”, diz José Roberto Ferro, presidente da consultoria Lean Institute Brasil. “Imagine ter a sensação de um carro diferente a cada dia?”

Os funcionários da GM no Brasil já podem ter essa sensação. A montadora iniciou, em março, o projeto Maven, de compartilhamento de veículos com os funcionários da fábrica em São Caetano do Sul. O objetivo é entender quais as demandas neste mercado. “Observamos que o comportamento do consumidor está mudando”, afirma César Watanabe, diretor de relacionamento com o cliente e pós-venda para a América do Sul da GM. “Isso é uma oportunidade para nós, não uma ameaça.” A Ford também começou no fim de agosto a testar o novo modelo com os empregados da unidade de São Bernardo do Campo.

Serão, num primeiro momento, quatro veículos, que podem ser alugados por meio de um aplicativo de celular, assim como o serviço da GM. Experiências como essa estão sendo replicadas na Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Bélgica. Em São Francisco, na Califórnia, a Ford está indo além e lançou um projeto de compartilhamento de bicicletas elétricas, facilmente dobráveis, que podem ser carregadas no metrô ou no ônibus. “Há vários experimentos que estamos fazendo no mundo inteiro para entender em que podemos participar para ajudar as pessoas a serem mais móveis”, diz Natan Vieira, vice-presidente de marketing, vendas e serviços da Ford na América do Sul.

As duas gigantes americanas, no entanto, estão atrás da Mercedes-Benz, a empresa mais avançada no Brasil nessa área. Desde julho de 2014, a montadora possui, em São Bernardo do Campo, o projeto MB Rent, uma locadora de veículos para funcionários e o público em geral, com sete opções de modelo de veículos. Não é para menos. A Daimler, dona da marca Mercedes-Benz, foi a primeira montadora a apostar nessa modalidade. Em 2008, ela criou a Car2Go, na Alemanha. Hoje, o serviço de compartilhamento está presente em 29 cidades na Europa, Estados Unidos, Canadá e China, e conta com 1,2 milhão de clientes.

A frota supera os 14 mil carros, que podem ser alugados por um aplicativo de celular para pequenos trajetos. A cobrança é por minuto, hora ou dia. Depois de usá-lo, o consumidor deixa o carro em um dos vários pontos de estacionamentos espalhados pelas cidades onde opera. O alvo de GM, Ford e Mercedes são consumidores como a empresária Fernanda Behmer, de 33 anos, de Campinas, no interior de São Paulo. Por conta da crise econômica que assola o País, ela abriu mão de seu Honda Fit para andar de carona ou de Uber. “Na primeira semana, bateu uma tristeza”, afirma Fernanda. “Passado isso, achei tão mais legal e ainda não preciso gastar com gasolina toda semana”.

A rapidez com que o veículo compartilhado chega para pegar o passageiro e o preço baixo das corridas foram fatores decisivos para que Fernanda abandonasse o carro. “As montadoras estão também entrando no mercado de compartilhamento devido à queda nas vendas”, diz Fernando Trujillo, da consultoria IHS Automotive. A aposta dos especialistas é que os serviços de compartilhamento de carros vão ganhar popularidade com o avanço do carro autônomo. O Google tem um dos projetos mais avançados e ganhou recentemente o reforço da Fiat Chrysler no desenvolvimento de minivans sem motorista.

A Apple também montou um time para entrar nessa área, segundo várias especulações que circulam no Vale do Silício. O Uber, por sua vez, associou-se à Volvo para produzir automóveis autônomos, em um investimento conjunto de US$ 300 milhões. Em agosto, um Volvo XC90 modificado já começou a rodar sob a bandeira do Uber no modo semiautônomo em Pittsburg, nos Estados Unidos. A cidade é o símbolo da tecnologia de mobilidade, sendo a sede do departamento de robótica da Carnegie Mellon University (CMU), de onde saiu Sebastian Thrun, o criador do projeto de carro autônomo do Google.

“Essa aliança coloca a Volvo no coração da revolução tecnológica na indústria automotiva”, afirmou Hakan Samuelsson, CEO da montadora sueca, durante evento para anunciar a parceria com o Uber. A Volvo mostrou que está realmente disposta a acelerar sua busca por novos caminhos e fontes de receitas na terça-feira 6, quando divulgou a criação de uma joint venture com sua conterrânea Autoliv. Ainda sem nome, a nova companhia vai desenvolver sistemas avançados de assistência para motoristas e de direção autônoma.

Com um time de 200 engenheiros, o início da operação está marcado para janeiro de 2017. Em dois anos, a projeção é saltar para 600 profissionais. Previstos para chegar ao mercado a partir de 2019 e com forte apelo de segurança, os softwares vão equipar os carros da Volvo, além de serem vendidos para outras fabricantes, através da Autoliv. “Nós realmente e nxergamos todas essas iniciativas como os mais importantes passos da nossa transformação”, afirmou Samuelsson. As parcerias rumo a novas vias de crescimento não estão restritas ao frio da Suécia.

No início de agosto, um consórcio formado pelas alemãs Audi, BMW e Daimler anunciou a aquisição do Here, serviço de mapas da finlandesa Nokia, com mais da metade de suas receitas originadas na indústria automotiva. O acordo de € 2,8 bilhões foi visto por analistas como um movimento de defesa do trio, pois a solução já havia despertado o interesse de nomes de peso da tecnologia, como Apple, Google e Uber. À parte da transação conjunta, as montadoras alemãs também estão desenvolvendo sua própria trilha. Recentemente, a Audi afirmou que irá criar uma subsidiária, batizada de SDS Company, focada em tecnologias para veículos autônomos.

O plano inclui ainda o desenvolvimento de três modelos de carros elétricos até 2020. Em junho, a BMW, por sua vez, fechou uma parceria com a americana Intel e a israelense Mobileye para criar uma plataforma que integrará todos os recursos relacionados aos carros autônomos, das “travas aos data centers”. Após realizar os primeiros testes com um protótipo ainda em 2016, o plano é ampliar esse escopo para uma frota mais extensa em 2017.

No roteiro traçado, os primeiros carros equipados com essas tecnologias chegarão ao mercado em 2021. “Essa parceria destaca a nossa estratégia para moldar a mobilidade individual do futuro”, afirmou, em comunicado, Harald Krüger, presidente do conselho da BMW. Ao contrário do que aconteceu com a indústria fonográfica, que assistiu passivamente ao surgimento de novas tecnologias sem reagir, o setor automobilístico parece estar disposto a enfrentar o desafio de se adaptar aos novos tempos.

Não é para menos. O Uber, fundado em 2009, vale US$ 68 bilhões, enquanto as centenárias Ford e GM estão avaliadas em US$ 50 bilhões e US$ 48,8 bilhões, respectivamente. “Há um sentimento na indústria de que quem sair na frente vai dominar o mercado”, diz Vivek, da Singularity University e da Stanford University. “Por isso, as fabricantes tradicionais estão desesperadas para participar do jogo.” Essa corrida tecnológica ainda está nas suas primeiras voltas. Mas os vencedores moldarão a forma como interagiremos com os carros para sempre.



Fonte: Isto É