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O que muda com o fim do Inovar-Auto e a chegada do programa Rota 2030

Publicada em 2017-09-06



E as regras vão mudar novamente. Criado em 2012, o plano Inovar-Auto acabará mesmo no fim deste ano e dará lugar a uma nova política para a indústria automotiva, a Rota 2030. As regras deste novo plano ainda estão em discussão, mas já se fala, nos bastidores, em objetivos e critérios. O principal é, lá na frente, num prazo de 13 anos, fazer do Brasil (novamente) um dos maiores mercados de veículos do planeta - já foi o terceiro por um curto período e o quinto por muito tempo, mas hoje está em uma modesta nona posição.

Estão em estudos novas regras na cobrança do Imposto Sobre Produto Industrializado (IPI), adotando a eficiência energética e a segurança como critérios (hoje, as categorias tributárias são definidas pelo tamanho do motor, com os menores pagando menos). Melhorar a qualidade dos componentes nacionais e até estimular a vinda de novas empresas seriam outras metas.

Enquanto o Rota 2030 não vem, o Inovar-Auto chega à reta final. Seu principal alicerçe foi o estabelecimento de cotas de importação para as marcas sem fábrica no Brasil. As que ergueram planta industrial (caso de BMW, Mercedes-Benz, Jaguar Land Rover, Chery e Jeep) ficaram livres para importar quantos veículos quisessem por ano, pagando a alíquota normal de 35%. As que não seguiram esse caminho (Volvo, Kia, Lifan e JAC, entre outras) e continuaram apenas como importadoras ficaram com uma cota anual de apenas 4.800 unidades anuais - e, acima disso, obrigadas a pagar uma sobretaxa de 30%.

O plano teve méritos. Trouxe investimentos de aproximadamente R$ 85 bilhões e, com a alta do dólar e a recessão, freou as importações, que em 2016 atingiram o menor volume em uma década - contribuindo, assim, para um menor desequilíbrio na balança comercial brasileira. Por outro lado, gerou fábricas ociosas, não incrementou o setor nacional de autopeças como pretendia e nem baixou os preços dos carros como se esperava.

Quem ergueu fábrica teve que encarar aspectos positivos e negativos. As marcas de luxo são unânimes em dizer que produzir no Brasil é mais caro do que na Europa. Mas não consideram fechá-las para não se jogar fora o investimento feito - até porque o retorno dessas plantas industriais é calculado para médio e longo prazos. E não é só isso: as fábricas brasileiras ajudam a ter flexibilidade em relação às súbitas mudanças do mercado, reduzem obstáculos logísticos (nas operações de importação, por exemplo) e dão uma espécie de "garantia" para o cliente de que a marca não vai embora. Por fim, serevem como ponto de exportação para a América Latina.

 

Se o futuro é uma incógnita, a mudança de rota não parece assustar o setor. Pelo contrário: traz ventos favoráveis. Que o diga a JAC Motors, talvez a marca mais atingida pelo Inovar-Auto. O Grupo SHC, que representa a JAC no país, chegou a se inscrever no programa Inovar-Auto e pretendia construir uma fábrica em Camaçari, na Bahia. Mas os planos foram cancelados pela matriz chinesa, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) cancelou sua participação no programa e a empresa teve que devolver os incentivos fiscais de cerca de R$ 180 milhões recebidos na importação de veículos entre 2013 e 2014. Resultado: ficou restrita à cota e viu suas operações encolherem significativamente. Agora, com o novo plano, tudo pode mudar novamente.

Aliás, um dos motivos do surgimento do Inovar-Auto foi justamente o barulho causado pela chegada da JAC Motors e de outras marcas chinesas, que, com seus compactos bem equipados, começou a balizar os preços dos carros nacionais. Os fabricantes estabelecidos aqui correram ao governo para evitar a dita "invasão" mas o temor, no fim das contas, ficou longe da realidade: em seu melhor momento, no início de 2011, as marcas chinesas, somadas, tiveram 3% do mercado brasileiro.

Agora, a JAC diz que o fim do Inovar-Auto é uma redenção. Não pelo fim das cotas, mas pelas oportunidades que abre. Por exemplo, lançaram o T40 só com câmbio manual por causa da cota. Se tivessem lançado o automático, acreditam que teriam estourado o limite. A marca deve fechar este ano com 4.500 unidades vendidas - bem perto do teto - e já faz planos ousados para o ano que vem: voltará a apostar em novos nichos e segmentos, em vez de importar apenas os modelos mais caros. Planeja trazer oito modelos, entre eles o T20 (que na China é chamado de S2 Cross, um subcompacto "aventureiro" que aqui seria concorrente do Kwid), uma picape 4x4 a diesel do porte de S10 e Hilux, a nova geração do T5 e o utilitário T70. Quer mais? A marca diz que, a partir de 2019, fará uma fábrica para algo entre 20 mil e 30 mil carros por ano.

- Vamos voltar a vender o que a gente tiver competência para vender e não uma limitação imposta pelo governo - sentencia o presidente da marca no Brasil, Sergio Habib.

 

A Kia Motors tem trajetória parecida. Chegou a cogitar a construção de uma fábrica no Brasil, mas os planos nunca foram para a frente. A marca sentiu a pressão do Inovar-Auto: se em 2011 vendeu 77 mil carros e tinha 182 concessionárias, este ano deve fechar com 9 mil emplacamentos e 100 lojas. Nesses cinco anos, adequou-se às regras e sobreviveu com operações mais modestas do que antes, porém relativamente sólidas: limitou-se a importar dentro da cota, o que não implicou em aumentos enormes de preços e reduziu, negociou valores com a matriz e reduziu quadro, propagandas e rede.

- A Kia respondia por 30% das vendas das associadas da Abeifa. As outras marcas, que tinham volumes menores, sofreram, mas não tanto quanto nós - diz o presidente da Kia e também da Abeifa, José Luiz Gandini.

Pelo menos as perspectivas com o Rota 2030 são positivas: a marca já planeja aumentar a rede para 115 lojas e vender 20 mil veículos em 2018, incluindo aí o Picanto reestilizado e também os inéditos o Rio, Optima híbrido, Soul elétrico e Stinger.

- Com o fim da cota e da sobretaxa, voltaremos à normalidade. Teremos oito laçamentos no ano que vem - acrescenta ele.

 

De fato, outras marcas não foram tão atingidas. A Lifan, por exemplo, vendeu cerca de 3 mil veículos no ano passado - volume bem inferior à cota - e antes beirava as 5.500. A mudança vai favorecer as operações e até algum crescimento nos volumes, mas o principal benefício, segundo a própria Lifan, será permitir a diversificação da linha. Por exemplo, a marca já planejava para o Brasil o inédito utilitário X70 (médio, do tamanho de Jeep Compass e Kia Sportage.

Dono de uma plataforma moderna, que permite variações, X70 podeá dar origem a modelos diferentes, como um sedã e um hatch, por exemplo, que também poderiam ser importados para o Brasil. Além disso, a marca já planeja também o utlitário grande X80 (que brigará com Mitsubishi Outlander, Toyota SW4 e similares) e pensa em variações de versões, motores e acabamentos.

- Ainda estamos planejando as operações para 2018, mas agora podemos ampliar nosso leque. As perspectivas de vendas são de 5 mil a 6 mil, que é o ritmo de antes - Jair leite de Oliveira, diretor comercial e de vendas.

 

A BMW, por outro lado, montou fábrica em Araquari, Santa Catarina, e viu seus negócios crescerem. Tanto que fechou 2016 na posição de líder das marcas premium no país - brigando diretamente com a conterrânea Mercedes-Benz, que também ergueu uma nova unidade, em Iracemápolis, São Paulo. Para as alemãs, parece ter valido a pena. A BMW, inclusive, diz apoiar o Rota 2030, dizendo que o período proposto pelo governo tem a virtude da previsibilidade, fundamental para que as empresas possam se planejar. A marca diz que vai manter todos os planos e investimentos programados para o Brasil, tanto para automóveis, quanto para motos (linha de montagem em Manaus).

- Temos projetos de ciclos de sete anos e a previsibilidade é questão fundamental para embasar as decisões e definir estratégias para o mercado no médio e longo prazo - diz o diretor de comunicação da BMW, João Veloso.

A Jaguar Land Rover, embora em mãos indianas (a Tata é dona das marcas), manteve a discrição inglesa original ao falar das perspectivas. Limitou-se a dizer que estará de acordo com o que for negociado pelo governo com Anfavea e Abeifa e que a fábrica de Itatiaia, onde monta os modelos Discovery Sport e Evoque, já estava nos planos independentemente do regime automotivo.

Por fim, Mercedes fez quase a mesma coisa: disse que o investimento na fábrica não tinha nada a ver com o Inovar-Auto, que fazia parte dos planos para 2020 (que a marca prefere não revelar) e que está estudando a mudança no regime automotivo para definir seus próximos passos. E outra marca de luxo, a Volvo, seguiu a linha: disse que não pretende mudar suas estratégias já que vende, em média, 3.600 veículos por ano - portanto, abaixo da cota.

Para Paulo Roberto Garbossa, da Adk Automotive Consultoria, o Inovar-Auto e o Rota 2030 têm a mesma função de dar uma direção ao setor automotivo - o primeiro voltado para aumentar a eficiência e a competitividade da indústria, e o segundo, para modernizá-la e fazê-la crescer efetivamente.

- O setor reduziu custos, ajustou e qualificou a mão de obra. Não foi fácil, mas era necessário e trouxe aperfeiçoamentos, como motores mais eficientes. - diz ele, lembrando que modelos criados para o Brasil hoje são exportados (a Hyundai manda HB20 para Uruguai, Paraguai e Argentina, e a Toyota vende o Etios no Peru, por exemplo).

Segundo ele, quem construiu fábrica por causa do Inovar-Auto não vai se lamentar, pois vende bem no mercado local e exporta. E quem não construiu voltará a crescer, inclusive porque poderá trazer mais modelos e versões. Da mesma forma, novas marcas poderão surgir.

- Tudo isso dependerá da economia mundial, de bolsas, de câmbio, de taxas de juros, de crédito disponível, de geração de empregos. Mas estamos na rota certa - diz ele, com trocadilho.


Fonte: O Globo