Notícias

As armas da indústria para sobreviver ao câmbio valorizado.

Publicada em 2010-12-05



Fabricação de produtos de qualidade duvidosa, desativação de linhas de produção, aumento na importação de componentes. São alguns dos artifícios da indústria brasileira para enfrentar a enxurrada de produtos importados que invadem o País diante do dólar mais barato. A ginástica para ganhar competitividade também tem servido para tentar recuperar ou manter exportações, já que o câmbio valorizado encarece os produtos brasileiros no exterior.

Dados da balança comercial brasileira indicam que o volume de importações de manufaturados cresceu 42% em outubro, enquanto a quantidade de bens exportados recuou 9%. No acumulado do ano, as compras externas acumulam alta de 56,72% e as vendas ao exterior amargam queda de 0,24%.

Afetados pela concorrência dos asiáticos, fabricantes de eletrodomésticos, automóveis e têxteis podem estar usando insumos de menor qualidade, importados ou não, para fabricar seus produtos. O presidente do Sindicato dos Condutores Elétricos e Laminação de Metais Não Ferrosos (Sindicel), Sérgio Aredes, afirma que alguns fornecedores estão reduzindo a espessura dos fios e condutores usados na composição de motores.

Aredes explica que a prática tem acontecido no segmento de fios esmaltados usados na fabricação de motores e alternadores para a indústria automotiva e de motores para eletrodomésticos. "O que queima o motor é justamente o enrolamento do motor e então há riscos de falhas. Reduz-se a espessura, diminui-se o isolamento a seu limite, tornando o produto muito frágil", explica. "Para ganhar competitividade, o setor automotivo pressiona para baixar o custo", afirma o presidente do Sindicel.

Fim de linha

Os efeitos colaterais do aumento de competitividade da indústria de automóveis vão além de fios e condutores: a Philips anunciou recentemente que vai fechar ainda neste mês sua fábrica de lâmpadas para o setor automotivo, localizada em Recife. Motivo: os produtos fabricados no País serão fornecidos por fábricas de outros países, como a China. Cerca de 400 pessoas ficarão desempregadas, segundo representantes da indústria.

"Existem indústrias de bens intermediários ou componentes que estão perdendo mercado, muito rapidamente, para os similares importados. Indústrias de fios e cabos, industrias de plásticos, entre outras, perderam mais de 30% de seus volumes e isso deverá ficar pior se a variação cambial não melhorar, se o dólar não se valorizar sobre o real", afirma Wilson Périco, responsável pela área de estudos da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), referindo-se à produção da Zona Franca de Manaus.

"Muitos desses produtos importados são subfaturados ou se utilizam da prática do dumping e não há como competir com essa prática. O Governo Federal tem ferramentas para coibir ou dificultar essa concorrência predatória, aumentando a fiscalização, estabelecendo uma lista de valor mínimo, elevando o IPI dos produtos que tenham similares sendo produzidos no território nacional, preservando os investimentos feitos no País e, principalmente, os empregos gerados por esse investimentos", acrescenta o especialista.

Importações de aço disparam

Fornecedores de aço e plástico, segundo empresários ouvidos pelo iG, também estão perdendo espaço para os importados. De acordo com a Secretária de Comércio Exterior (Secex), houve um aumento de 357% nas importações de produtos laminados planos de ferro ou aço em outubro deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado. Por outro lado, as exportações recuaram 38% neste período.

O Instituto Aço Brasil, que representa as siderúrgicas, avalia que, além do câmbio, a oferta de aço no mundo estimula a competição acirrada. “O recorde de consumo infelizmente não significou recorde de produção de aço no País, mesmo com sobra de capacidade”, afirma o presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, André B. Gerdau Johannpeter, por meio da assessoria de imprensa.

As compras no exterior de veículos e materiais para vias férreas dispararam 230%, segundo a pauta de exportações. Já as importações de chapas, folhas, tiras películas e lâminas de plásticos aumentaram 20% no mesmo período.

As exportações de calçados e sucos de laranja, por sua vez, recuaram 7% e 46%, respectivamente.

DVD e aparelhos de som

Segundo Périco, da Fieam, produtos como aparelhos de DVD e áudio "já são muito difícieis de se encontrar nas linhas de produção das fábricas do Amazonas". "Mais de 90% do que foi comercializado destes produtos no Brasil foi importado neste ano", afirma. "Esse problema (substituição de nacionais por importados) afeta também a indústria calçadista, têxtil, confecção e de auto-peças", acrescenta.
Em vez de fabricar aparelhos de DVD e de som, os fabricantes nacionais preferem agora, segundo a Fieam, produzir televisores, que ainda são competitivos, entre outras razões, devido ao elevado custo do frete para importação.

A Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee) também relata que alguns produtos deixaram de ser produzidos no País por causa do dólar barato. Secadores de cabelos, depiladores, sanduicheiras, aço, geradores, equipamentos para linhas de transmissão.
 
IBGE confirma

Os números da produção industrial de outubro, divulgados nesta quinta-feira (2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que os maiores resultados negativos na média do setor partem justamente de segmentos afetados pela concorrência com os importados: material eletrônico e equipamentos de comunicações cortaram 20% da produção, enquanto máquinas, aparelhos e materiais elétricos reduziram em 10,6% a fabricação de produtos de janeiro a outubro.

A indústria têxtil, que amarga forte concorrência com produtos chineses, diminuiu a produção em 6% de janeiro a outubro, segundo o IBGE. Um empresário do setor que pede para não ser identificado afirma que muitas confecções estão preferindo comprar insumos da China, inclusive tecidos e linhas de pior qualidade, para sobreviver à competição de roupas importadas. Associação da Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) fala em desindustrialização do setor, com esvaziamento da cadeia produtiva e eliminação de empregos.

O chefe de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Guilherme Mercês, também alerta para as dificuldades no setor têxtil diante do dólar barato. Segundo ele,  o menor patamar do câmbio nos últimos dez anos está favorecendo o consumo no Brasil de carros com poucos ou nenhum componente nacional, como coreanos.


Fonte: IG