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Honda demite e reduz produção em São Paulo.

Publicada em 2011-05-19



Há meses não se ouvia falar em demissões na indústria automobilística. Em pleno processo de crescimento da capacidade produtiva, as montadoras empregam hoje 9,5% mais do que um ano atrás. Num cenário assim, causou estranheza no mercado ontem a notícia de que a Honda, a sexta maior empresa do setor no país, decidiu cortar 12% do efetivo, o que equivale a 400 postos de trabalho.

A empresa tem seus motivos. Ainda que longe da área devastada pelo terremoto seguido de tsunami, no Japão, em março, a linha de montagem brasileira foi também castigada porque depende da importação de componentes vindos do Japão e vitais para a produção dos carros em Sumaré (SP), onde está a fábrica construída há quase 14 anos.

O desabastecimento de peças obrigará a empresa a reduzir o ritmo de trabalho de três para dois turnos e cortar o volume de produção diário, de 600 unidades, pela metade. O resultado da desaceleração a levará, segundo seus cálculos, a uma queda de 30% no volume anual de produção, que chegou a 134,1 mil veículos em 2010.

Isso deixará 1,2 mil trabalhadores ociosos. A empresa anunciou que vai demitir 400 e negociar a situação dos 800 restantes. Mas, segundo Jair dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, todos vão perder os empregos.

O terremoto no país de origem da Honda parece ter agravado os problemas que a companhia começou a enfrentar há mais de um ano, quando, a valorização do real acelerou a chegada de veículos importados que disputam o mercado em que a empresa atua.

Antes da tragédia no Japão a participação da marca no mercado brasileiro de automóveis e comerciais leves já havia diminuído de pouco mais de 4% em 2008 e 2009 para 3,80% em 2010. Ao longo dos dois mesmos anos, o mercado brasileiro ficou 24% maior.

A Hyundai, marca coreana que está construindo uma fábrica em Piracicaba, é um dos fortes concorrentes. De janeiro a abril, dois modelos da coreana passaram à frente dos concorrentes da marca japonesa: o I-30 ficou na frente do Fit e o utilitário Tucson ultrapassou o CRV, modelo importado pela Honda. No segmento de luxo, o Azera e o Sonata, ambos da Hyundai, aparecem no primeiro e segundo lugares no mercado de sedãs grandes. O Accord, da Honda ficou no terceiro.

As montadoras japonesas são conhecidas pelo alto padrão de treinamento da mão de obra. Por isso, abrir mão de funcionários num momento em que outras montadoras constroem fábricas no país pode abrir espaço para os demitidos encontrarem ocupação nos concorrentes com facilidade.

O tempo de desabastecimento será longo. A Honda calcula que a entrega dos componentes vindos do Japão voltará ao normal só em 2012. Mas como a disputa por metalúrgicos qualificados é acirrada e o treinamento, sempre demorado, a Honda poderia ter seguido alternativas tradicionalmente usadas por montadoras quando precisam frear o ritmo de produção mas não querem abrir mão do efetivo qualificado. Entre as mais comuns: férias coletivas ou licenças compensadas posteriormente por meio de banco de horas.

Em casos de notícias alarmantes como essa, a Honda acostumou-se a evitar entrevistas. Mas ontem a empresa resolveu manifestar-se. O diretor de assuntos institucionais, Paulo Takeuchi, disse que a empresa não poderia recorrer a férias ou licenças por já esgotado tais alternativas.

Não é o que dizem os representantes dos trabalhadores. A dificuldade para obtenção de peças de sua matriz no Japão é considerada como "pano de fundo", segundo Santos, o presidente do sindicato. "A empresa ignorou nossa proposta de férias coletivas e redução de jornada e usa as dificuldades externas como desculpa para uma reestruturação", diz o dirigente.

As demissões começaram ontem. Ao todo, 180 metalúrgicos receberam telegramas da montadora japonesa anunciando o desligamento. Até o fim do mês, a companhia deve demitir outros 1.090 trabalhadores, reduzindo o quadro de funcionários no chão de fábrica a 1.617. Os três turnos aprovaram ontem a manutenção da greve iniciada na quinta-feira.

Os planos da montadora foram apresentados ao sindicato na segunda-feira, durante reunião de mediação na Superintendência Regional do Trabalho em Campinas. Segundo os autos da audiência, a que o Valor teve acesso, os representantes da Honda afirmam que não há como "a empresa arcar com os atuais custos".

Segundo Takeuchi, a empresa tem interesse em recontratar os demitidos quando a situação melhorar Mas os sindicalistas temem que as dispensas sejam também uma forma de reduzir salários. Entre 2008 e 2010, os 51 mil metalúrgicos de Campinas e região abocanharam os maiores reajustes salariais da categoria no país. Conquistaram 14,6% em 2008, 10% em 2009 e 10,5% este ano. Na mesma região há uma fábrica da Toyota - que também sofre com a falta de peças oriundas da matriz japonesa, mas que, até o fechamento desta edição, manteve a informação de que adotará férias coletivas.

Na Honda, segundo o sindicato, o salário médio dos 2,9 mil horistas é de R$ 2,8 mil - "um dos maiores da categoria", diz Santos. O sindicato deve encaminhar hoje uma representação ao Ministério Público do Trabalho contra a Honda, por ter realizado demissões sem ter concluído as negociações com os representantes sindicais.


Fonte: Valor Econômico