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Concorrência com a China ficará pior.
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Na última semana, a China deu mais um passo na trajetória de distensão iniciada há 35 anos, com o líder político Deng Xiaoping. Após dias de reunião, o Partido Comunista, que comanda o país, anunciou uma série de medidas que incluem uma maior flexibilização da economia e prometeu abrir as portas do mercado financeiro do gigante asiático para empresas privadas.
O sistema financeiro aberto tem sido visto como a porta de entrada para um aumento do capital estrangeiro no país. A China, que já é o principal destino dos investimentos estrangeiros, deverá reforçar ainda mais sua liderança se, de fato, essa distensão acontecer.
A relação entre Brasil e China não é exatamente uma lua de mel – são 23 investigações de defesa comercial contra o país oriental em curso, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Mesmo assim, para quem vende para a China, a reforma é uma boa notícia. Sorte dos produtores brasileiros de alimentos e commodities, que têm o país como um dos principais parceiros comerciais. No entanto, para quem está na indústria, a notícia não é das melhores.
Na Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o assunto ainda não está em avaliação intensa. Luiz Aubert, que preside a associação, prentende colocar o tema em pauta depois de a reforma ser definitivamente aprovada. “Tenho de cuidar do aqui e agora – o que já não é fácil. Se eu ficar tentando administrar esse futuro eu infarto”, brinca.
Pudera. Nos últimos anos, a China se consolidou na posição de maior ameaça para a indústria nacional de máquinas e equipamentos – e também para a têxtil, para a siderúrgica, para a de brinquedos e outras tantas. Aubert diz não ter dúvidas de que os investimentos internacionais no setor produtivo deverão migrar para o país asiático e, consequentemente, empoderar ainda mais a economia daquele país.
Fernando Pimentel, diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), acha cedo para disparar o pânico do mercado – que já lamenta bastante a invasão dos produtos chineses. Como os chineses são tidos como grandes planejadores de longo prazo – a abertura do país acontece há mais de 30 anos –, Pimentel avalia que o peso dessa abertura só virá no longo prazo. “A China é um paquiderme que se move devagar. Qualquer reforma é uma reforma de longo prazo”, diz.
O presidente da Abit prefere não vê no curto prazo motivo de apreensão com o crescimento chinês e considera que “o Brasil deve se preocupar mais consigo mesmo”. “A China depositou 5 mil pedidos de patente no ano passado, contra quase 200 nossas”, diz.
Tecnologia e inovação
A China leva vantagem em relação ao Brasil em duas frentes: inovação e tecnologia, avalia o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luís Afonso Lima: “Começam a ter a competência de seus vizinhos asiáticos, como o Japão e a Coreia do Sul. A tendência é logo superarem esse patamar.'
Para Lima, não se trata de uma nova ameaça, mas de uma concorrência ainda mais pesada. “A maior parte dos investimentos que chegaram até a China visa exportação, agora haverá maior dedicação para o atendimento da demanda interna”, diz. “Eles vão ficar ainda mais atraentes para o investimento externo.”
O que alivia esse receio geral, segundo Lima, é a dificuldade em fechar negócios com a China – não só pela dificuldade com o empresariado, mas também com a instabilidade local. “Não é tão fácil assim investir na China. A questão regulatória é ainda mais instável que aqui no Brasil”, explica.
Vale lembrar que persistem as regras para empresas estrangeiras, que precisam se juntar com locais para implantar seus negócios – transferindo conhecimento e tecnologia. Para se instalar na China e usufruir das vantagens operacionais, a Embraer Aviação Executiva precisou se juntar em uma joint venture com a China Aviation Industry Corporation II para criar a Harbin Embraer Aircraft Industry Co. Ltd. – compartilhando, assim, boa parte da sua experiência.
Agregar valor ao continente
A abertura econõmica vem porque chegou a hora de a China começar a agregar valor, inovação e tecnologia aos seus produtos. Atualmente, a educação é um dos investimentos centrais do país, que forma um milhão de engenheiros por ano. “É fundamental para eles neste momento que as exportações chinesas deixem de ser vistas como algo de baixo valor e baixa qualidade. Precisarão conquistar a confiança do mundo”, diz Alexandre Uehara, diretor acadêmico das Faculdades Rio Branco e especialista em Ásia.
O diferencial está na forma como o país oriental vem administrando sua estrutura interna. Uehara diz que aquele velho modelo de larga produção com mão de obra barata está ficando para trás. “Eles já estão perdendo esse mercado para o sudeste asiático.” E mesmo assim, ainda são 10 milhões de vagas de emprego geradas anualmente.
Embora já viesse concorrendo com as empresas nacionais em alguns setores chave como a siderurgia e a indústria têxtil, o Brasil ainda tinha o trunfo da qualidade guardado na manga. Se a China for bem sucedida em sua missão interna, esse trunfo poderá acabar. “Eles estão subindo um patamar e a massa de profissionais capacitados é crescente”, afirma.
A velha reclamação da carga tributária no Brasil se enquadra perfeitamente esse cenário competitivo. A reforma tributária prevista pelo gigante asiático impõe uma carga de 23% do Produto Interno Bruto (PIB) da China – metade do que opera no Brasil. Uehara destaca, no entanto, que esse diferencial não é preciso entrar em pânico. “A tendência é custo de produção se elevar e a carga tributária também. O governo chinês já sabe disso e sabe que isso também ameaça a competitividade deles.”
Ruptura ou continuidade – uma dúvida de longo prazo
A decisão de tornar a economia chinesesa foi divulgada pela agência estatal e o mundo inteiro falou sobre o assunto. Mas o fato é que pouco se sabe sobre o que vai acontecer. O ex-embaixador do Brasil na China e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Clodoaldo Hugueney, é um dos que não viu clareza no discurso chinês. “A única informação que temos é que há uma reforma estatal em curso, mas não conseguimos ver para que direção essa reforma andará”, diz.
Embora tenham anunciado as novidades como um grande acontecimento, boa parte dos observadores entende que essa maior liberalização já vem tarde. “Trata-se do de mais um passo do mesmo processo iniciado em 1978. Essa é só um aprofundamento da política de distensão econômica prometida”, afirma o ex-embaixador.
Exatamente por esse tônus de continuidade, Hugueney não enxerga a abertura como um risco para as empresas nacionais, uma vez que a China já é o principal destino dos investimentos estrangeiros no mundo. “Não vai faltar investimento. O que eu vejo acontecendo são poucas oportunidades de negócios, graças ao freio nas economias da Europa e dos Estados Unidos”.
A China já era o principal destino do capital mundial e assim deve continuar pelos próximos anos. “Não se toma nenhuma decisão na China sem que o partido esteja totalmente envolvido. Para que todas as novidades sejam viabilizadas, terão de vencer as resistências internas e a luta de interesses dentro do partido”, explica Hugueney.
Nem mesmo os chineses vêem uma grande ruptura nesse novo anúncio e qualquer mudança mais substancial no cenário só virá de 2020 para frente, na análise do pesquisador do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI), Jorge Njal.
Há quatro anos morando em Jinhua, provincia de Zhejiang, o especialista não vê alvoroço da população local com as novidades anunciadas pelo partido. “Não é para hoje, nem para amanhã. Por aqui, as pessoas estão esperando para ver se de fato essa abertura vai acontecer”, diz. “Não é a primeira vez que eles anunciam uma maior liberalização, mas não adianta contar com a saída do Estado da economia chinesa. Isso não vai acontecer.”
O setor financeiro, que agora passará a ser parte da iniciativa privada na China, deverá se beneficiar da oportunidade de atender o mercado de 1,3 bilhão de chineses. Atualmente, Banco do Brasil e Itaú são os bancos brasileiros em operação no país asiático.
Outros setores poderão não ter a mesma sorte. Dado o tamanho do controle político exercido sobre a população, Njal duvida que outros setores mais estratégicos como telecomunicações, internet, defesa de fronteiras e segurança nacional vão chegar algum dia à mãos estrangeiras. As restrições são tão políticas quanto culturais. “O ocidental aqui não é bem-visto nem bem-quisto”, diz.
Mas na hora de fazer negócios, a conversa avança com mais facilidade. A tendência é que, daqui para frente, os negócios bilaterais sejam ainda mais fluidos. Principalmente porque faz parte dos objetivos da nova liderança do partido intensificar esse processo de abertura política e econômica do país. 'Eles são concentrados no que é de interesse deles e têm pouca flexibilidade', explica Hugueney.
Bárbara Ladeia
Fonte: IG
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